domingo, agosto 22, 2010

sexta-feira, agosto 06, 2010

Não temos


Não temos amado, acima de todas as coisas.
Não temos aceito o que não se entende porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que já não tenha sido catalogada. Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas.

Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos. Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios. Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gafe.

Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer “pelo menos não fui tolo” e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia.”


(Clarice Lispector- Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres)
Hoje percebi que se a gente ler um mesmo livro em diferentes momentos da vida, ele torna-se também um livro diferente. É outro. Porque eu sou outra.
Ganhei esse livro em 2006 da minha amiga Marina Monteiro. E quatro anos depois, cá estou redescobrindo palavras e sentimentos do livro que ganhei de presente. E cá estou eu, lendo Clarice e lendo as borboletas da Marina, e me identificando com as duas. E as borboletas dela também são minhas. Assim como a Lóri também sou um pouco eu. Ou. ou. ou....
É, não consigo expressar o que gostaria. E isso não me angustia. Pelo menos não hoje, não agora.