sexta-feira, agosto 06, 2010

Não temos


Não temos amado, acima de todas as coisas.
Não temos aceito o que não se entende porque não queremos passar por tolos. Temos amontoado coisas e seguranças por não nos termos um ao outro. Não temos nenhuma alegria que já não tenha sido catalogada. Temos construído catedrais, e ficado do lado de fora pois as catedrais que nós mesmos construímos, tememos que sejam armadilhas.

Não nos temos entregue a nós mesmos, pois isso seria o começo de uma vida larga e nós a tememos. Temos evitado cair de joelhos diante do primeiro de nós que por amor diga: tens medo. Temos organizado associações e clubes sorridentes onde se serve com ou sem soda. Temos procurado nos salvar mas sem usar a palavra salvação para não nos envergonharmos de ser inocentes. Não temos usado a palavra amor para não termos de reconhecer sua contextura de ódio, de amor, de ciúme e de tantos outros contraditórios. Temos mantido em segredo a nossa morte para tornar nossa vida possível. Muitos de nós fazem arte por não saber como é a outra coisa. Temos disfarçado com falso amor a nossa indiferença, sabendo que nossa indiferença é angústia disfarçada. Temos disfarçado com o pequeno medo o grande medo maior e por isso nunca falamos no que realmente importa. Falar no que realmente importa é considerado uma gafe.

Não temos adorado por termos a sensata mesquinhez de nos lembrarmos a tempo dos falsos deuses. Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos de nós mesmos e para que no fim do dia possamos dizer “pelo menos não fui tolo” e assim não ficarmos perplexos antes de apagar a luz. Temos sorrido em público do que não sorriríamos quando ficássemos sozinhos. Temos chamado de fraqueza a nossa candura. Temo-nos temido um ao outro, acima de tudo. E a tudo isso consideramos a vitória nossa de cada dia.”


(Clarice Lispector- Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres)
Hoje percebi que se a gente ler um mesmo livro em diferentes momentos da vida, ele torna-se também um livro diferente. É outro. Porque eu sou outra.
Ganhei esse livro em 2006 da minha amiga Marina Monteiro. E quatro anos depois, cá estou redescobrindo palavras e sentimentos do livro que ganhei de presente. E cá estou eu, lendo Clarice e lendo as borboletas da Marina, e me identificando com as duas. E as borboletas dela também são minhas. Assim como a Lóri também sou um pouco eu. Ou. ou. ou....
É, não consigo expressar o que gostaria. E isso não me angustia. Pelo menos não hoje, não agora.

2 comentários:

mARINA mONTEIRO disse...

às vezes a vida bagunça tudo, mas nunca tira da prateleira aquilo que sempe ficará nela, passem mais de mil furacões...


uma frase brega, de minha autoria, nessa sgeunda cinzenta, na cidade do Rio de Janeiro, pra expressar o quanto eu te amo!

Jotapê disse...

tentei ler este fino título da clarice quando tinha 20 anos. nunca consegui chegar ao final. eu chorava tanto toda a vez que retomava a leitura que o prazer de ler virou martírio. como mudamos os livros com o tempo, talvez seja hora de recuperá-lo na estante...